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Fibras na doenças metabólicas: Diabete Melito e Dislipidemias

Dr. Daniel Magnoni
Dr. Celso Cukier
Nutr. Rosana Perim Costa

A introdução, pelos meios acadêmicos, do conceito "alimento funcional", incrementou o interesse pelas substancias definidas como fibras. (1)
O alimento funcional pode ser definido como alimento que contem substâncias com atividade biológica própria e que podem estar envolvidas direta ou indiretamente na prevenção e tratamento de doenças. (1,2,3)
A suplementação das fibras em diferentes compostos alimentares, ou mesmo sua utilização como terapia coadjuvante diária, relacionada à ingestão regular de compostos isolados de fibras, tem sido observada com freqüência. Cabe a discussão da importância clínica dessas substâncias pela compreensão de seus efeitos fisiológicos, bem como justificar sua utilização na forma de suplementos nutricionais diários e por longo tempo.
Fibras são compostas geralmente por carboidratos ou derivados de carboidratos de origem vegetal. Resistem à hidrólise pelas enzimas digestivas alcançando as porções distais do tubo digestório íntegras em sua grande maioria.(2,3)
A maior parte das substâncias caracterizadas como fibras são polissacarídeos não amiláceos. Excetua-se neste grupo a lignina, um polímero de fenilpropil álcool e ácidos, derivado da madeira de troncos e sementes de frutas e presente na camada externa de cereais.
No cólon, as fibras permanecem intactas ou podem ser parcialmente hidrolisadas e fermentadas por bactérias. Seus efeitos fisiológicos dependerão de características como solubilidade, viscosidade, capacidade para reter água e minerais.
As funções fisiológicas das fibras variam conforme o vegetal e seu grau de maturidade. Daí a dificuldade para assegurar e apropriar a quantidade e qualidade do ingerido.
Para simplificar a compreensão e aplicação na prática clínica procurou-se adequar uma classificação mais ampla a essas substâncias. Podem ser classificadas em solúveis (viscosas e muito fermentadas) e insolúveis (não são viscosas e pouco fermentadas).
Alguns carboidratos com propriedades físico-químicas semelhantes às fibras foram recentemente classificados como fibras. Entre eles encontra-se a inulina e frutooligossacárides, amido resistente e açúcares não absorvidos.
Os efeitos orgânicos das fibras são distintos e dependem de suas características. Algumas fibras solúveis como pectina e gomas podem diminuir o tempo de esvaziamento gástrico e de trânsito intestinal. Ao contrário, fibras insolúveis podem aumentar o trânsito no intestino delgado.
Fibras solúveis podem interferir desfavoravelmente sobre a absorção de nutrientes, nesse aspecto, observaremos inúmeras aplicações clínicas das fibras no tratamento da dislipidemia e da Diabetes Melito.
A absorção de carboidratos pode estar dificultada na presença de fibras solúveis por essas diminuírem a taxa de difusão da glicose. Inúmeros trabalhos científicos relacionam o uso regular de dietas enriquecidas com fibras solúveis, como uma das formas dietoterápicas mais adequada ao controle glicêmico.
As fibras solúveis ligando-se aos sais biliares diminuem sua reabsorção e podem diminuir, em certos casos, a absorção de proteínas.
A absorção de minerais como cálcio, magnésio, ferro, cobre e zinco não parecem sofrer influência diante das fibras.
Fibras elevam a viscosidade do quimo. Esse efeito associado à produção de ácidos graxos de cadeia curta podem melhorar a tolerância à glicose e diminuir níveis séricos de colesterol total e LDL.
A constipação intestinal, diagnóstico e sintoma comum aos diabéticos , pode ser combatida com a adição de fibras na dieta
Determinadas fibras e as substâncias semelhantes às fibras (Frutooligossacárides e inulina) podem exercer efeitos benéficos sobre a manutenção estrutural da mucosa intestinal, função imunológica sistêmica e local do intestino, melhora da tolerância à glicose e do perfil lipídico de pacientes.
Ressalta-se a importância do conhecimento fisiológico de cada manifestação clínica para a introdução do tipo de fibra adequado. Maior número de estudos deve ser efetuado para avaliar o tipo de fibra correto e sua dosagem a fim de obter o efeito orgânico desejável.

Diabetes Melito:

Diabete melito (DM) é um distúrbio primário heterogêneo do metabolismo dos carboidratos com múltiplos fatores etiológicos que geralmente envolvem deficiência absoluta ou relativa de insulina e/ou resistência à insulina. Indiferentemente de sua causa, manifesta-se clinicamente por hiperglicemia e suas consequências.

Histórico:

O nome Diabete Melito deve-se a Aretaeus de Capadócia (médico grego que viveu em Roma, +120-200 DC) e Celsus (médico romano, primeiro século), que, ao descreverem a doença, relacionaram o nome diabete a "síphon" (tubo) e melito a "melli" (mel ou açúcar).(4)
A história da dietoterapia no tratamento da DM iniciou-se no Egito antigo. Até meados de 1912, a concepção dos parâmetros dietoterápicos variou entre oferta de dietas ricas em carboidratos, dietas com restrição em carboidratos, novamente dietas hiperglicídicas e terapia nutricional hipoglicídica (4,5).
O único tratamento eficaz até 1921 baseava-se na dietoterapia. Os cuidados nutricionais caracterizavam um quadro de desnutrição em vista das limitações impostas aos pacientes, seguindo orientações de rigorosa restrição aos carboidratos. Nesse ponto, paradoxalmente a atual e significante indicação de fibras na terapia da Diabetes Melito, restringia-se o consumo de frutas e leguminosas. (4,5,6).
Após 1922, as tentativas de preparar extratos pancreáticos obtiveram algum sucesso. O emprego da insulina teve início após 1936. Em 1955, as sulfoniluréias começaram a ser usadas como terapia hipoglicemiante oral.(5,7)
Profissionais de saúde dispõem, atualmente, de diferentes formulações de insulinas, hipoglicemiantes orais de meia vida curta e pós-prandiais.
Os suplementos nutricionais, rotineiramente prescritos aos pacientes diabéticos, podem configurar um importante coadjuvante à terapia farmacológica.(8,9)

Modificações e interações nutricionais na DM:

Dentre as anormalidades lipoprotéicas mais comuns, destacam-se: níveis aumentados de lipoproteínas de muito baixa densidade (VLDL-colesterol) e de triglicerídeos, e níveis reduzidos de lipoproteínas de alta densidade (HDL-colesterol). A hipertrigliceridemia observada em pacientes diabéticos pode estar correlacionada à hiperuricemia. A obesidade (predominantemente do tipo visceral) também se relaciona de maneira estreita com o diabete, especialmente do tipo II..
Na doença cardiovascular, notadamente na gênese da aterosclerose, identifica-se o diabete melito como fator de risco primário. Essas duas patologias podem estar inter-relacionadas em 40% a 60% dos casos.(10,11,12)

Objetivos dietoterápicos na DM:

A Manutenção dos níveis glicêmicos dentro de parâmetros normais, redução da necessidade de insulina, fornecimento adequado de calorias, controle efetivo dos níveis séricos de lípides, prevenção das complicações sistêmicas e qualidade de vida dos pacientes devem ser a meta norteadora da terapia nutricional no diabete melito.(13,14,15)

Recomendações nutricionais:

Na década de 1980, passaram a ser adotadas dietas normo ou hiperglicídicas, semelhantes às dietas de pacientes não-diabéticos, apenas sem sacarose. Após 1994, surgiram dietas individualizadas, limitando proteínas a 20% do valor calórico total e controlando os carboidratos e lipídios, visando ao melhor perfil glicêmico e lipídico.(4,9,16)
As recomendações para oferta de nutrientes de diferentes associações médicas estão na tabela abaixo.(17)

Nutriente

Unidade

BDA

1992

NCEP II

1994

ADA

1994

EASD

1995

ALFEDIAM

1996

Proteína (P)

% energia

10-15

+ 15

10-20

10-20

10-20

Gordura (G)

% energia

30-35

<30

80-90 p/ G + CH

60-7- p/ C + MUFA

< 30 (em dieta restritiva)

30-40

SFA

% energia

<10

8-10

<10

<10

<10

MUFA

% energia

10-15

< 15

60-70 p/ CH + MUFA

Razão cis-MUFA e CH (tolerância individual)

10-20

PUFA

% energia

10

< 10

< 10

< 10

+ 10

Colesterol

mg/dia

< 300

< 300

< 300

< 300

< 300

Carboidrato

(CH)

% energia

50-55

> 55

80-90 p/ CH + G

(tolerância individual)

Razão cis-MUFA e CH

(tolerância individual)

45-55

(tolerância individual)

Fração de CH: mono e dissacárides

% energia

Alimentos ricos em fibras

   

Alimentos com baixo índice glicêmico ou ricos em fibra solúvel

Alimentos com baixo índice glicêmico

Sacarose

% energia

< 25 g/dia

 

Sem restrição

< 10

< 10

Frutose

     

Sem recomendação

Uso não recomendado

 

Carboidratos Complexos

% energia

preferíveis

 

Sem recomendação

 

preferíveis

NCEP II - National Cholesterol Education Program Step II Diet
ADA - American Diabetes Association
BDA - Dritish Diabetic Associaton
EASD - European Association for the Study of Diabetes
ALFEDIAM - French Language Association for the Study of Diabetes and Metabolism

Fonte: Muls E - Nutritional recomendations for the person with diabetes. Clin Nutr 1998; 17:18-25

Fibras dietéticas:

No aspecto relacionado à ingestão de fibras, sobressaem as características dietéticas do grupo classificado como solúvel.
As fibras solúveis (pectina, as gomas e certas hemiceluloses), encontradas em frutas, aveia, cevada e leguminosas podem favorecer o paciente diabético. Entre os efeitos de sua ingestão encontra-se o maior tempo de trânsito intestinal, menor esvaziamento gástrico, retardo da absorção de glicose, e menor glicemia pós-prandial, existem inúmeros trabalhos científicos relacionando decréscimo nos níveis de colesterol total e LDL colesterol com o uso regular de alta participação de fibras na dieta regular (veja maiores detalhes de fibras e dislipidemias na seqüência desse texto).
A recomendação de fibras para indivíduos diabéticos é a mesma que para indivíduos não-diabéticos, sendo de 20-35 g/dia, sendo de 25 a 50% de fibras solúveis.
O fracionamento da alimentação deve ser acompanhado do fracionamento de fornecimento dos suplementos de fibras. Os compostos de fibras industrializados podem proporcionar facilidades posológicas e maior aceitação terapêutica.(18,19,20)
As fibras promovem uma significante diminuição nos níveis de glicemia pós prandial, o mecanismo proposto para essa ação clínica coloca como fatores preponderantes a diminuição no tempo de esvaziamento gástrico e a diminuição na digestão de carboidratos. (21,22)
No quadro a seguir são elencadas as justificativas sócio culturais para a associação de dietoterapia de suplementação em fibras ao aporte de fibras em produtos comerciais.(23,24)

Validação à indicação de suplementos de fibras

1- Certeza da dose consumida

2- Facilidade de manipulação

3- Facilidade de administração

4- Relação custo/benefício atraente

5- Aceitação cultural

Fonte IMeN - Instituto de Metabolismo e Nutrição, 2002

Fracionamento das refeições:

O número de refeições deve ser estabelecido individualmente, de acordo com a atividade física e a terapia medicamentosa. O cuidado ao observar períodos de maior ação farmacológica (meia-vida) dos medicamentos coadjuvantes alia-se à prevenção de distúrbios metabólicos e ao aproveitamento do substrato energético. O mínimo de três refeições deve fazer parte do esquema alimentar do diabético, com o objetivo de minimizar complicações.(25)
Modernamente surgem, à disposição da prescrição médica e de profissionais de nutrição, compostos de fibras originários de vegetais específicos ricos em fibras terapêuticas, nesse aspecto, seremos mais abrangentes nos compostos derivados da plantago ovata, na parte reservada à dislipidemia poderemos discutir esse aspecto com maior profundidade. (26,27,28)

Dislipidemias:

Aterosclerose e doença coronariana são patologias multifatoriais, onde estão envolvidos hipercolesterolemia, hipertensão arterial, obesidade, diabetes, tabagismo, estresse, hábitos alimentares e estilo de vida.
As dietas ricas em gordura saturada e colesterol são consideradas de efeito aterogênico, por elevarem os níveis plasmáticos de colesterol e triglicérides, portanto, fator de risco na etiologia da doença isquêmica cardiovascular (29).
Estudos experimentais estão revelando efeitos inéditos da fibra alimentar e também dos nutrientes e elementos biologicamente ativos ligados à fibra, como efeitos hipocolesterolêmicos e hipotensivos, a modulação de glicose e insulina, o controle do peso corporal e uma influência sobre a atividade fibrinolítica. (30)
Na década de 70, após a divulgação dos primeiros resultados sobre alimentação com aveia, os benefícios da fibra solúvel sobre os níveis de colesterol plasmático têm sido amplamente divulgado. A maioria dos estudos clínicos investigou o efeito hipolipemiante de quatro fibras solúveis: fibra de aveia, psílio, guar e pectina.(30)
Em decorrência de suas propriedades e efeitos fisiológicos, a fibra alimentar deverá ser um componente indispensável na alimentação, podendo desempenhar papel fundamental, coadjuvante ou como terapêutica principal.

Fibras e metabolismo lipídico:

No século passado, estudos epidemiológicos e observacionais demonstraram que a alimentação é um fator importante que pode explicar as variações entre os índices de doença coronariana em populações diferentes. Um dos principais estudos que identificou a relação entre consumo elevado de gordura saturada e colesterol e risco maior de desenvolver doença coronariana foi o Seven Countries Study (Estudo dos Sete Países) de Keys.(29) A partir desse estudo, foram identificados outros componentes alimentares que têm ligação positiva ou negativa com risco de doença coronariana, entre eles, a quantidade e composição das gorduras, proteínas, carboidratos, vitaminas, minerais, álcool, e produtos fitoquímicos encontrados nos alimentos, como: proteína da soja, certos ácidos graxos insaturados e as fibras solúveis que afetam as concentrações de colesterol plasmático.
Embora as fibras solúveis e insolúveis protejam o organismo contra várias patologias como diabetes mellitus, doença coronariana e isquêmica do coração, obesidade e os mais diversos distúrbios do aparelho digestivo, as pesquisas mais recentes têm enfocado os efeitos hipocolesterolêmicos das fibras solúveis. Além disso, também podem influenciar diretamente ou indiretamente outros fatores ligados à doença cardiovascular, como, por exemplo, hiperinsulinemia, hiperglicemia, hipertensão, obesidade e fatores hemostáticos.(30)
A hipercolesterolemia é um dos fatores de risco mais importantes no desenvolvimento da doença coronariana. Valores de colesterol sanguíneo acima de 200mg/dl aumentam, de forma significativa, o risco de cardiopatia isquêmica.(31)
Inúmeros autores publicaram nas últimas décadas, a correlação entre gordura alimentar, consumo de fibras e aprevalência de doença coronariana.(32,33,34). A alimentação rica em gordura saturada frequentemente contém menor quantidade de fibras.(Figura 1) (30) . Portanto a característica mais nociva da alimentação ocidental pode ser a ausência de fibras alimentares e os nutrientes associados com a fibra, como: minerais, antioxidantes e fitoestrogênios e não a presença de gordura saturada.

Associação inversa

Efeito protetor


Alimentos vegetais ricos em fibras

O efeito adverso positivo da gordura saturada sobre o risco de DCV pode ser explicado, em parte, pela ligação inversa entre a gordura saturada e o consumo de fibra alimentar e o efeito protetor de alimentos ricos em fibras sobre o risco de DCV

O trabalho de Burkitt e col. comparou a participação das fibras na dieta americana e africana, relacionando a maior prevalência da doença aterosclerótica coronariana na primeira como em parte decorrente da menor utilização alimentar de fibras solúveis.(35)
Bijlani citou o efeito hipocolesterolêmico das fibras, especialmente em indivíduos que apresentam níveis elevados de colesterol, associado com a ingestão de dietas ricas em colesterol.(33)
Em 1990, uma análise de ensaios clínicos utilizando goma guar como agente hipolipemiante demonstrou que houve uma redução de 11% nos níveis de colesterol total. Uma meta-análise mais recente sobre os efeitos redutores de colesterol do psílio relatou redução de 6,7% no LDL após consumo médio de 10,4 gramas de psílio durante 8 semanas.
Outras combinações de fibras solúveis também foram avaliadas. Tai et al investigaram o efeito de goma guar e psílio em indivíduos que consumiram dieta com baixo teor de gordura suplementada com 16,5 g de fibra ou placebo. O grupo que recebeu dieta acrescida de fibras, reduziu em 3,2% os níveis de LDL-c e 5,5% o colesterol total, sem alteração no HDL-c e triglicérides.(30)
Embora a absorção de colesterol seja alterada por várias fontes de fibras, nem todas produzem o mesmo efeito. A lignina tem efeito hipocolesterolêmico, enquanto a celulose pouco altera o metabolismo dos lipídeos. Já o consumo de pectina demonstra resposta positiva na redução dos níveis de colesterol (34)
A pectina é um polímero gelacturônico presente na casca branca interna de várias frutas, principalmente as maçãs e as frutas cítricas. Vários estudos tem demonstrado seu efeito hipocolesterolêmico na redução do níveis séricos e hepáticos de colesterol total em indivíduos sadios.
Pesquisas realizadas por Baig e Cerda à respeito das interações que existem entre a pectina e as lipoproteínas do plasma, concluiram que quando suplementada na dieta, acarreta redução dos níveis séricos e hepáticos de colesterol, tanto em seres humanos como em animais de experimentação.(29)
Durrington verificou o efeito da pectina em 12 homens sadios, que acrescentaram em sua dieta habitual, 5gramas de pectina em pó, 3 vezes ao dia, misturados em água ou suco de laranja, durante 4 semanas, onde os resultados obtidos foram, redução importante nos níveis de colesterol, apoproteína B e triglicérides (29)
Os efeitos hipocolesterolêmicos das fibras solúveis podem manifestar-se de vários mecanismos, dentre eles, é a ligação dos ácidos biliares no intestino delgado, alterando a reciclagem de ácidos biliares enterohepático. A absorção intestinal de colesterol depende da disponibilidade de sais biliares e fosfolipídeos para a formação de micelas. Se os níveis de ácidos biliares estão reduzidos, o resultado seria a consequente queda na formação de micelas.(30)
Outro mecanismo de ação é estimulado por bactérias inerentes. As fibras se ligam aos sais biliares no intestino, diminuindo sua reabsorção, o que resulta em menos colesterol disponível no figado para a síntese de lipoproteínas. As fibras solúveis são quase completamente fermentadas no cólon, produzindo ácidos graxos de cadeia curta ( acetato, butirato e propionato), os quais podem inibir a síntese hepática de colesterol e incrementar a depuração de LDL (30)
A principal enzima reguladora da síntese de colesterol hepático é a b - hidroxi - b - metil- glutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase, cuja função é catalisar a produção de mevalonato a partir da HMG-CoA, e sua atividade aumenta quando ocorre uma baixa concentração de colesterol nos hepatócitos. Diversos estudos experimentais constataram que o propionato e outros ácidos de cadeia curta decorrentes da fermantação bacteriana da fibra, após absorvidos a partir do cólon até a circulação portal, podem atuar pela inibição da atividade da enzima HMG-CoA redutase, impedindo, a síntese de colesterol hepático a partir de seus precursores.(36)
Por fim, a última hipótese propõe que a absorção reduzida de gorduras alimentares e colesterol causada pelo aumento na viscosidade intestinal efetuado pelas fibras solúveis.(30)
O esquema abaixo, mostra um resumo dos mecanismos de ação das fibras sobre o metabolismo do colesterol .(29)

 

- Excreção fecal aumentada de esteróis neutros , bem como de ácidos biliares

- Ação “sequestrante”de certas fibras , que podem retardar a absorção do colesterol.

- As bactérias no cólon convertem ác. biliares primários a secundários , os quais são menos bem absorvidos .

- A depleção dos ác. biliares através da excreção fecal desvia colesterol para o pool dos ác. biliares, e menos colesterol fica disponível para incorporação nas lipoproteínas e subsequente lançamento na corrente sanguínea.

As fibras solúveis são quase completamente fermentadas no cólon a ác. graxos de cadeia curta, principalmente acetato, propionato e butirato. Estes são absorvidos via veia porta e parecem inibir a síntese hepática do colesterol.

- No intestino, o colesterol é incorporado aos quilomícrons, VLDL e HDL, enquanto o fígado secreta VLDL, que contém colesterol.

- Possivelmente, as fibras influenciem o tamanho dos quilomícrons provenientes do intestino, e isto influenciaria o metabolismo dessas lipoproteínas.

- As fibras podem alterar a proporção de colesterol ligado aos quilomícrons, VLDL e HDL.

Os mecanismos de ação ainda permanecem imprecisos, mas devem, estar envolvidos, com sua viscosidade e capacidade de proteção da mucosa intestinal, interferindo na absorção dos lipídeos. Outra maneira de ação dessa fibra vegetal, seria através da redução da glicemia pós- prandial e da concentração de insulina, reduzindo o estímulo para a síntese hepática de colesterol.
Níveis elevados de triglicérides séricos constituem importante fator de risco para doença coronariana. Em pacientes diabéticos, níveis de triglicérides acima de 150mg/dl são tão prejudiciais quanto o aumento dos níveis plasmáticos de colesterol.
Anderson realizou acompanhamento durante 48 meses em um grupo de pacientes diabéticos que receberam suplementos de fibra dietética e constatou uma redução dos níveis sanguíneos de triglicérides e colesterol, em pacientes portadores de hipertrigliceridemia, além da redução dos níveis plasmáticos de glicose e das doses de insulina e hipoglicemiantes orais.(36)
No entanto, não está totalmente esclarecido o papel da fibra no tratamento da hipertrigliceridemia, sendo que, em alguns estudos, não são constatados resultados conclusivos, porém o que se sabe é que o estabelecimento de programas terapêuticos que incluam manutenção do peso adequado, redução da ingestão de bebida alcoólica e gorduras, realização de exercício físico constante e a suplementação de fibras na dieta, podem chegar a reduzir em 80-90% os níveis de triglicérides séricos sem a necessidade da administração de medicamentos.(36)
A recomendação de ingestão de fibra alimentar total para adultos é de 20 a 30 g/dia, sendo 25% (6 g) de fibra solúvel.(37)
O grupo de cereais e seus derivados e as leguminosas representam boas fontes alimentares, assim como as frutas. A melhor maneira de se alcançar esta recomendação é aumentar a ingestão desses alimentos.
As principais fontes de fibras utilizadas no tratamento de diversas patologias são: plantago ovata, glucomanan e goma guar.(36)
O Plantago ovata, são sementes originárias da África e Ásia, que contêm fibras solúveis e insolúveis em uma relação aproximada de 20:80, ou seja, muito mais insolúveis do que solúveis. Nas cutículas, a relação é contrária, 70:30, ou seja, maior quantidade de fibras solúveis do que insolúveis.(36)
Portanto, as sementes de Plantago ovata proporcionam uma fonte ideal de fibras segundo a recomendação da FDA, 70-75% de fibra insolúvel e 25-30% de fibra solúvel.
As principais propriedades do Plantago ovata, estão resumidas nos tópicos seqüenciais (36)
- capacidade de normalizar o trânsito gastrointestinal, não apenas decorrente de sua capacidade de captação de água e de aumentar, consequentemente, o volume, mas também de outros mecanismos, que em conjunto, possibilitam normalizar o tempo de trânsito das fezes no cólon, bem como a consistência;
- proporcionar uma porção fermentável no cólon com os subsequentes benefícios derivados desta fermentação (produção de ácidos graxos de cadeia curta);
- inibir a atividade da b- glicuronidase no intestino, evitando o aumento da incidência de tumores colorretais;
- aumentar a eleiminação dos ácidos biliares pelas fezes;
- reduzir os níveis de colesterol sérico, pelo aumento da eliminação de ácidos biliares e o consequente estímulo de sua produção a partir do colesterol;
- melhorar a curva pós-prandial da glicose em pacientes diabéticos.
O glucomanan é um polissacarídeo constituído por unidades de glicose e manose. Pertence ao grupo das fibras solúveis, sendo extraído dos tubérculos. Seu principal mecanismo de ação seria a possibilidade de absorver moléculas exógenas específicas, como lipídios, esteróis e açúcares no trato gastrointestinal, eliminando-os do organismo pelo aumento da excreção. Em resumo, o glucomanan possui as seguintes propriedades: viscosidade elevada e capacidade de formar géis e reter água.(36)
A goma guar é o polissacarídeo de reserva nutricional das sementes de leguminosas. Da mesma forma que as outras fibras, não pode ser digerida no intestino delgado. Acredita-se que a sua propriedade de aumentar a viscosidade de conteúdo gastrointestinal, é a principal responsável pelo retardo da absorção de nutrientes no intestino delgado. È considerada também altamente eficaz na diminuição da hiperglicemia pós-prandial, do peso corporal e das concentrações de colesterol, tanto em indivíduos obesos com em diabéticos e também do aumento da sensibilidade à insulina, incrementando a atividade da lipase- lipoprotéica ( LPL), possibilitando a redução das lipoproteínas e dos ácidos biliares.(36)
Embora já esteja comprovada a ação das fibras solúveis, ainda não se conhece totalmente seu mecanismo, contudo, sabe-se que elas modificam a absorção e o metabolismo dos ácidos biliares, aumentando a excreção do colesterol. As fibras interferem ainda na absorção e metabolismo dos lipídeos e produzem ácidos graxos de cadeia curta, a partir da fermentação.

Conclusão:

A redução dos níveis de colesterol observado com o uso de fibras nas dietas, embora significativa , muitas vezes não é suficiente para a normalização da colesterolemia e requer grandes quantidades, que são pouco toleradas. Todavia, elas tem o benefício de acelerar o trânsito gastrointestinal, o que é útil quando se usam drogas hipolipemiantes, como as resinas quelantes de ácidos biliares, potentes na redução da colesterolemia, porém obstipantes .
Dietas ricas em fibras constituem parte integrante do tratamento eficaz do diabetes e da hipercolesterolemia porque, além de reduzirem os níveis séricos de lipídeos, proporcionam melhora do controle glicêmico e aumentam a sensibilidade periférica à insulina . (37)
No acompanhamento clínico de pacientes com níveis elevados de lípides sanguíneos, faz-se necessário a insistente e educativa ação da equipe multidisciplinar no sentido de incrementar a utilização de fibras na dieta.
Nas sociedades urbanizadas a aquisição, preparo e armazenamento dos alimentos ricos em fibras, torna-se cada vez mais dificultada devido à inúmeros fatores.
Somente a educação e o constante direcionamento nutroterápico, mesmo que subjetivo, poderá não reverter , mas pelo menos minimizar o impacto da má nutrição social na gênese de algumas patologias.

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